14 de novembro de 2006

QNP 18, Conjunto B, casa 06

Quando eu morava no p-sul as casas eram todas muito juntas. O muro de um era o muro do outro, então se a pessoa espirrasse dava pra dizer “saúde” e ouvir o “obrigado” de volta.
Do lado direito mudava de vizinho toda hora e no fim morava uma mulher separada, que se chamava Lurdes e seus três filhos atentados. O quarto dos pestes era colado no meu e depois de um natal, no qual o presente principal foi um vídeo-game, o meu sossego dos domingos de manhã acabou-se. Já do lado esquerdo morava um casal e suas duas filhas. Zezão, Maria, Patrícia e Carina. Depois de alguns anos eu fui descobrir que as duas eram adotadas e que pelo que eu me lembro não sabiam. Ou só a Patrícia sabia? Enfim, eles já moravam lá quando eu me mudei.
O Zezão era um cara simpático que ria pra todo mundo e sempre levava a Carina na escola. A Maria era uma senhora meio cheinha que fazia bordado. A Patrícia, no começo brincava na rua, no meu último ano lá, tava grávida do 2º filho e tinha ido morar com o namorado. A Carina. A Carina era uma menina franzina, dos cabelos bagunçados e da perna fina. No começo a gente era amiguinha. Uma amizade meio imposta pelos nossos pais, que talvez achassem que éramos solitárias demais.A gente tentou brincar de boneca algumas vezes, mas ela tinha 4 anos a menos que eu, e teve uma hora que eu já tava com a cabeça em outras coisas e ela ainda nas bonecas. A amizade acabou e a gente nem se via mais.
O Zezão não sabia dirigir, mas um dia ele tirou carteira e comprou um Kadet. Todo dia ele limpava esse Kadet ao som da mesma música. A Maria teve uns problemas no coração e eu fiquei com medo que ela morresse. Eu lembro que me dava uns apertos no peito quando a minha mãe vinha com noticias dela. Eu não sei por que até hoje.
Eu sei que a Carina começou a aprontar porque todo dia dava pra ouvir o Zezão gritando “CARINAAA” lá do meu quarto. Mas quem realmente aprontou foi a Patrícia que teve dois filhos antes dos 20 anos ou um pouquinho depois, não sei ao certo. O pai das crianças era meio esquisito. Era de uma família que foi morar bem depois lá na rua. Nunca soube ao certo o que ela viu nele.
Quando eu morava lá não via a hora de me mudar de lá. Imagina poder dormir até mais tarde no domingo sem ouvir “sai Matheus”, “é a minha vez, Pedro”. Aí eu me mudei.
Os muros não ficam colados. Do meu quarto eu ouço o barulho do quarto da minha mãe (quase nenhum). Mesmo ainda morando na garagem, a minha casa é bacana.
Quando tudo acabar eu faço um churrasco. Convido todo mundo, inclusive a Carina. Quem sabe, sem imposição dessa vez, a gente não se torne amigas?