7 de dezembro de 2006

O sol entrava pela cortina rasgada da janela da cozinha

Ele já não tinha mais vontade de ir pra casa. Qualquer lugar era melhor lugar pra ele, mesmo que esse “qualquer lugar” não fosse o lugar mais certo para um pai de família estar. Tudo era motivo para mais um, mesmo que esse “mais um” não fosse mais um algo saudável.
Andava decepcionado demais com o rumo que seu casamento tinha tomado. Tudo tinha virado o que sua mãe em um dia de infelicidade havia previsto. Ela já não o olhava mais e ele já não agüentava olhar pro olhar desviado dela. Queria que tudo voltasse para antes do bendito dia do “sim”. Eles eram tão unidos, tão felizes e sorridentes. Aqueles sim, eram os tempos que ele queria estar vivendo.
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Ela imaginou que se mudasse o jeito de amarrar o cabelo talvez ele reparasse. Não tão sutil, nem tão extravagante. Se fizesse um coque simples, mas que deixasse sua nuca a vista. Fazia tempo que eles não viam se entendendo como antigamente. Ele chegava tarde, chegava estranho, chegava arredio.
Lembrou do dia que sua mãe disse que era cedo demais pra casar, que uma hora aquela euforia iria passar. Será que ela estava certa? Preferia sofrer calada a dar razão a sua mãe.
Quando ele chegasse iria passar na frente dele com o cabelo novo, assim como quem não quer nada. Se ele reparasse e comentasse, ela fingiria surpresa e falaria que não havia feito nada, que tava como sempre foi.
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Ele respirou fundo, pensou mais vez “e se eu desse uma passadinha na casa do Bento?”, mas parou de pensar isso. Aquela era sua casa e ele não tinha motivo pra não querer entrar, ou queria que não tivesse. Meu Deus, por que as coisas tinham chegado aquele ponto?
Viu ela sentada na mesa lendo alguma coisa. Tinha alguma coisa diferente nela. O que? Cumprimentou com um ‘oi’ quase inaudível e foi pegar um copo de alguma coisa sabor amarelo na geladeira e de lá viu.
Viu e lembrou que era a coisa que ele mais gostava nela. A nuca. Aquela nuca que só ele conseguia arrepiar. E num impulso sentou na cadeira da frente e perguntou como tinha sido seu dia. Ela num sobressalto respondeu. Não pararam de conversar até o dia clarear.
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Ela tava ansiosa demais em contar tudo pra ele. Era tanta coisa que ela tinha pensado, feito e resolvido que talvez ele s cansassem de ouvir. Mas ele não se cansou, ouvia, ria, falava e no fim, quando o sol entrou pela cortina rasgada da janela da cozinha, ele levantou deu um abraço que de tão apertado ficou desconfortável, mas rapidinho ficou confortável de novo, um beijo que de tão carinhoso parou o mundo ao redor e disse “seu cabelo está lindo assim, mostrando a nuca”.
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Ele não tinha mais motivo pra não querer ir pra casa e ela sempre tinha um jeito novo de mostrar a nuca.