22 de fevereiro de 2010

Sobre como ser alguém

Ele era diferente dos outros meninos. Ele tinha uma pose de rockstar dos anos 70 que nenhum mais tinha. Sabia o que queria do mundo: que ele o deixasse em paz o mais rápido possível. Não agüentava a mãe lhe cobrando coisas que ele não queria pagar. Não suportava todos exigindo padrões de comportamento e atitudes que ele não achava certo.
Queimava uma, às vezes duas carteiras de cigarro por dia. Fumava desde os 16 e as fotos nos maços que tentavam emocionar as pessoas e as convencer de parar  não o faziam mudar de ideia, se transformando em motivo de piada para ele. Os pulmões eram dele e cuidava deles como melhor lhe parecia ser.
Foi para a escola quando foi mandado para lá, mas descobriu logo que não era gastando cadernos e borrachas que iria ver como as coisas funcionavam. Aprendeu alguns palavrões, rabiscou cadeiras, rasgou uniformes, levou suspensões, arranjou amigos fiéis, matou aulas, fez recuperações e se formou com colação de grau e baile.
Teve uma namorada. Ela não era uma diva do rock de cabelo vermelho e calças skiny que ele sempre sonhou. Ela era do tipo normal, dessas que se você procurar um pouco mais atentamente você acha umas três iguais, mas por algum tempo ela prendeu a atenção dele. Por certo tempo ela o fez feliz e talvez fosse por que ela era diferente do que ele sempre quis, era o oposto do padrão que ele havia pré-determinado e ele não gostava de padrões. Mas chegou o dia que a menina comum não o satisfez mais e ele resolveu se lançar sozinho na vida e procurar a diva do rock de cabelo vermelho com calças skiny.
Tirou carteira de motorista, parcelou o carro, mas o dinheiro acabou no meio do caminho e o carro que fazia a vida ficar mais fácil teve que ser vendido. Passou a ir para o trabalho de ônibus, era mais complicado, mas os engarrafamentos não eram mais preocupações. Trabalhava em um órgão público, mas não era concursado. Não pretendia passar o resto da vida ali, mas enquanto isso precisava da grana.
Interessava-se pela 2ª Guerra Mundial e levado por isso, ou não, começou a fazer faculdade de história. Fez dois semestres e parou. Muita teoria, pouca prática deixavam ele sem paciência. Decidiu-se por cinema, mas o dinheiro tava curto, porém não era um sonho descartado. Queria mesmo era entrar para a Legião Francesa e se lançar no mundo combatendo os males que pudesse encontrar.
Tinha amigos que ele considerava irmãos, alguns que ele gostava de conversar, outros que ele só gostava de passar um tempo junto. Tinha seu recanto com eles. Um ateliê habitado por artistas, alguns em formação, outros já experientes. Ele também era um artista e por isso se sentia tão bem lá. Leu Nietzsche e encontrou as respostas para perguntas difíceis. Identificou-se com tudo que o filósofo bigodudo dizia. Livro de cabeceira e palavras de ordem para o resto da vida. 
O plano de vida podia mudar quando era a hora de mudar, mas por enquanto ele queria ficar sozinho. Queria pensar nele e em como ele iria seguir em frente. Não que não quisesse ter alguém, mas nesse momento ele queria ele mesmo. 
Ele tinha um perfil esnobe, uma cara séria, um jeito bravo e um mundo inatingível, no qual ele se trancava e só abria para poucos. Apesar disso era um cara legal, que fazia o que podia para ajudar os amigos e se preocupava com eles.
Era um sujeito bacana. Um cara diferente desses que só se encontra se você tiver sorte. Um rockstar sem década, de todas as décadas que continuava sendo ele, da maneira dele.