Ela acorda
todo dia como se acordasse todos os dias da vida juntos. A vontade de sair da rotina é o que a
move, mesmo que ela tenha certeza absoluta que tudo vai continuar igual ao que
foi no dia anterior. Ouve gritos e risadas do lado de fora do quarto. Ouve o
telefone tocar. Ouve os carros passando na rua. Ouve alguém cortando a grama.
Coloca a cabeça embaixo do travesseiro para sumir com aquela barulheira.
Ela tem
medo de levantar da cama. Descer do colchão não é tão banal quanto parece para
algumas pessoas. Os chinelos estão lá só esperando os pés que receosos se
escondem no cobertor. Ela não quer levantar. Tem dias que acha que não motivos.
Tem dias que, motivo até tem, o que falta é vontade mesmo.
O banheiro
é frio não importa a hora do dia. Tomar banho mesmo no calor é bastante
difícil. A pia bagunçada, os cabelos na escova, a pasta apertada pela metade. Nada
daquilo sempre agrada. Para chegar ali passou por um espelho que, muito cortêz, ela
ignora. Mas o que está agora na sua frente é inevitável. Ele está ali só
esperando o momento de jogar na cara dela a cara dela. O rosto amassado, as
olheiras, os dentes por escovar, as espinhas que aparecem como se ela ainda
fosse uma adolescente. Está tudo dentro do espelho. Está tudo nela.
E amanhã
será tudo a mesma coisa.