20 de novembro de 2007

Quase um desabafo

Lina não tinha muitas pretensões na vida. Ela queria se formar, achar um emprego legal, ter uma casinha bacana e dividir a cama todas as noites com Henri. Era isso que ela queria, mas o mundo exige muito mais que isso das pessoas. O mundo quer ver o oco das pessoas e com a Lina não era diferente.
Na sua família não era nela que depositavam as esperanças de fortuna, mas o resto do mundo parecia querer ver o dinheiro brotando de seus dedos magros e pequenos. Isso Lina tinha: dedos pequenos. Eram desproporcionais ao resto da mão. Tinha a palma normal, mas os dedos eram pequenos e finos. As unhas eram quase invisíveis e ela fazia questão de roer pra elas não aparecerem mesmo.
Ali estava Lina na faculdade. Olhando suas fotos coladas na parede do corredor. O professor tinha escolhido a que ela mais tinha se arrependido de ter tirado. Foto feia. Uma moça encostada nas pernas do namorado, esse que sorria pra ela. O sutiã rosa. Aquele sutiã fazia Lina querer rasgar aquela foto ali colada pra todo mundo ver.
Mas ali estava ela, olhando a foto e pensando que talvez não fosse a fotografia sua maior incentivadora pra fazer jornalismo, até porque para se ser fotografo não se precisava fazer aquele curso. O que exatamente a fazia querer se formar naquilo? Os dias corridos? Os textos a serem escritos? Os prêmios que talvez ganhasse se conseguisse ser algo melhor que medíocre? De uma coisa ela sabia, não era pelas pessoas.
Agora ela estava sendo acusada de ser estressada. Logo ela que nem se quer conseguia levantar a voz direito. Talvez tivesse perdendo a paciência com mais freqüência nos últimos dias, mas nada que não passasse rápido. Só Lina e mais algumas pessoas a quem ela mesma havia se encarregado de explicar, entendiam o motivo de ela estar assim, meio brava, ultimamente. Mas não chegava a ser estresse. Não era. Era “saco-cheismo” mesmo. Era a vontade de não ter que ouvir as mesmas coisas sempre, de não ter que agüentar professor sacal com sua aula sacal e seus trabalhos sacais.
Lina não tinha grandes pretensões na vida, mas tinha a incrível vontade de não ser interpretada de maneira errada por pessoas que ela nunca dera motivo pra isso, não por se preocupar com o que os outros pensassem a seu respeito, mas pra não ter que ficar falando todo dia "eu não estou estressada".