A falta que faz

Não era a primeira vez em alguns anos de amizade que ela sumia sem nem ao menos tentar explicar. Aquilo tinha se tornado um assunto dolorido de discutir para as duas que mantinha a amizade como ela sempre foi.
Era de causar indignação pensar nas poucas justificativas que ela dava quando na muita insistência das outras, ela saia do escudo que agora matinha em frente a elas e se dignava a falar. Falava do medo que sentia de levar uma bronca das duas por coisas que mereciam broncas, ou de como estudava para passar em matérias que ela devia 9,5 e achava impossível.
As duas ali, sentadas, ouvindo aquilo tudo sem querer acreditar como ela havia mudado, se sentiam jogadas fora daquilo tudo. Não sabiam mais como era vida dela. O namorado que elas mal conheciam, o cursinho que ela andava faltando demais, as amigas que tinha caras desconhecidas, o cabelo curto e liso, as roupas diferentes, as palavras que agora ela falava e como falava. Nada nela era como antes.
Para uma das duas a dor era maior. Cresceu com ela presente. Tinha segredos, promessas, uma vida planejada em que ela estava presente o tempo todo. Para a outra, a dor não era tão menor. Depois de anos sem se gostarem, a amizade havia surgido e agora parecia desaparecer sem motivo.
Ela falava em se casar. Casar com 17 anos! O que responder para uma coisa como essa? As duas ficaram ali tentando não destruir o já fino elo que as prendia. Com palavras medidas tentaram convence-la de que aquilo tinha que ser pensado com mais calma e não no calor dos acontecimentos.
Ela não ria mais das besteiras que as duas insistiam em falar todo o tempo. Enquanto as duas gargalhavam de tudo, ela permanecia li concentrada no filme que ela já virá mil vezes.
Viram que ela não confiava nelas do jeito que elas esperavam, que ela tinha medo delas e que agora teriam que simplesmente dar tempo ao tempo. Deixar que ela percebesse por si só o que elas representavam, ou não na vida dela.
Não, não era a primeira vez que ela sumia, mas elas não conseguiam se acostumar.