5 de dezembro de 2007

O que Deus uniu vexame nenhum separa

Ele era o tipo de marido que levava a esposa bêbada, depois de uma festa do escritório, para casa. Ele era o tipo de marido que não ligava de carregar a esposa no colo até o carro e deita-la no banco de trás com todo o cuidado. Ele seguraria seu cabelo para trás quando ela sentisse vontade de colocar tudo para fora. E a colocaria para dormir na cama depois de lhe dar um banho. Quente porque ele não acreditava que dar banhos gelados ajudasse em alguma coisa. Ele era o tipo de marido que compraria pão no outro dia e faria café. Colocaria tudo na mesa junto com dois analgésicos e um copo de água.
Ela era o tipo de esposa que bebia demais nas festas do escritório e que dava trabalho para o marido. Ela era o tipo de esposa que dançava, ria, brincava, cantava com os amigos e nem lembrava que o marido estava na festa. Ela o sentia segurando seu cabelo para trás enquanto colocava tudo para fora. Ela era o tipo de esposa que acordaria com ressaca, rezando por um analgésico e querendo enfiar a cara em um buraco para não ter que encarar ele de novo depois de mais uma festa do escritório.
Ele, paciente, calmo e decente na leitura do jornal que acabara de chegar. Ela, descabelada, corcunda e atordoada do sono que acabara de acordar. Ambos sentados na mesa da cozinha. Nenhum se olhava. Não se atreviam a encarar a noite de ontem. Ele para não a constranger, ela por não ter coragem mesmo.
Ela sabia que não o merecia. Toda vez era a mesma coisa. Toda festa lá ia ela sair carregada pelo marido que fazia de tudo para que ela tivesse um fim de noite, na medida do possível, digno. E o que ela fazia por ele?
Ele sabia que ela estaria pensando em mil bobagens e maneiras de lhe pedir, de novo, desculpa pelo “vexame que te fiz passar ontem” e juraria que não beberia mais nessas “festas horríveis do escritório”. Ele iria escutar e, como sempre, desculpar, afinal de contas era “na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, até que a morte os separe. Amém!”.
-Bem... desculpa pelo vexame que te fiz passar ontem. Não te mereço. Você faz tudo por mim. Me ajuda em tudo e eu sempre te fazendo passar coisas desse tipo. Juro que não bebo e nem vou mais para essas festas horríveis do escritório. Me perdoa?
-Que isso, meu amor. Nem precisa pedir desculpa, é claro que eu te perdoou. Eu te amo e afinal de contas é na alegria e na tristeza, na saúde e na doença. Até que a morte nos separe. Amém!
Ela tomou os analgésicos, beijou o rosto amado do marido e foi pentear o cabelo. Ele continuou a ler o caderno de cultura do jornal. Ela era o tipo de esposa que pedia perdão. Ele era o tipo de marido que perdoava.